terça-feira, 24 de agosto de 2010

Especialização em Artes Visuais: Cultura e Criação




ATIVIDADE PRÁTICA 11


Os textos de Vera Beatriz Siqueira e Roberto Conduru falam sobre os diferentes modos de inserção crítica que têm caracterizado a arte contemporânea e sua relação com os espaços públicos. Alguns dos aspectos da “ampliação do campo artístico” foram a inclusão de todas as possibilidades de materiais e processos de produção e o fortalecimento da dimensão crítica do trabalho de arte, que passou a envolver os mais diferentes lugares e atividades. O espaço urbano, em especial, se tornou um dos focos principais das ações artísticas na contemporaneidade.

Faça um exercício criativo e reflexivo: proponha um trabalho de intervenção urbana, de caráter temporário, com o emprego de quaisquer recursos ou linguagens.

Tome como foco de seu trabalho uma área que é característica de toda cidade brasileira, a praça. Escolha uma praça que conheça, freqüente ou tenha freqüentado. O que significa esse espaço na cidade?

Reflita sobre as transformações urbanas que afetam ou já afetaram esse lugar, e sobre as interferências humanas que favorecem ou não as funções que ele desempenha, como circulação, lazer, memória, sociabilidade etc. A partir dessas reflexões, planeje uma ação, uma situação ou a instalação de um objeto provisório para essa praça que provoque a experiência e a reflexão de seus usuários sobre as relações pessoais, institucionais, físicas ou simbólicas que definem o uso e os significados desse espaço público.
Seu trabalho terá como referência um grupo de três a cinco obras, de qualquer linguagem ou campo de criação visual, que você vai pesquisar e selecionar nos materiais do curso, na Internet ou em outras fontes de seu interesse.

Crie sua proposta de intervenção urbana a partir de diálogos com essas obras de referência e prepare a apresentação visual de sua proposta, que ocorrerá no próximo encontro presencial do curso.

Além disso, elabore um texto, com no máximo duas laudas de extensão, que explique a sua proposta e o tipo de experiência ou reflexão que espera provocar nos usuários da praça. Nesse mesmo texto, comente as relações que estabeleceu entre as obras de referência escolhidas e a intervenção urbana proposta.


LIVRO DE RECORDAÇÕES DA PRAÇA – Danton Cavalcante Dantas

Realizar uma intervenção artística em ambiente público nos faz perceber que a arte pode gerar uma espécie de imposição aos usuários desse espaço. O fato de aparecer de um dia para o outro na paisagem pode causar as mais diferentes sensações: de admiração, de repúdio, de indiferença, ou de incompreensão. Toda obra de arte comunica algo, porém, muitas vezes o espectador não possui meios para registrar suas impressões, ou seja, o retorno deste processo de comunicação.
O local escolhido para a instalação é a Praça Alcides Carneiro, localizada no bairro de Manaíra, na orla de João Pessoa, capital paraibana. Seu histórico remonta à década de 1980, quando o bairro começou a ser habitado. Inicialmente, seu terreno de 11.900 m2 era utilizado como um campo de futebol que integrava times amadores organizados entre os primeiros moradores do bairro e moradores da então comunidade ribeirinha que margeava o rio Jaguaribe conhecida como favela Beira Rio, hoje bairro São José. Em 1985 é construída no local uma praça cujo nome homenageia o advogado e político Alcides Vieira Carneiro, que era também um grande orador, poeta e trovador, fundador da cadeira número 34 da Academia Paraibana de Letras.
Em junho de 2006 a praça passou por uma reforma que contemplou um calçadão circulando toda sua área, anfiteatro, quadras para a prática de esportes e ajardinamento. No fim de 2009, para completar sua revitalização, a praça recebeu equipamentos de ginástica que a transformaram em uma academia a céu aberto, tornando-se um pólo de bem-estar para todos os praticantes de atividades físicas e moradores da redondeza.
Em observação in loco percebemos que o público é bastante heterogêneo, sendo composto por freqüentadores dos mais diversos segmentos da sociedade, desde os esportistas e trabalhadores que praticam atividades físicas antes do trabalho, no começo da manhã, às pacatas senhoras que ali transitam no final da tarde, os casais de namorados do começo da noite e os drogados, pichadores e vândalos da madrugada.
Nossa intervenção consiste numa estrutura semelhante a um grande diário ou livro de memórias com cerca de um metro e cinqüenta de altura, fixado ao chão e formando um ângulo oblíquo como se estivesse em posição de leitura. A parte que representa a capa e a espessura do livro será revestida por uma tinta especial que impede a fixação de qualquer tipo de tinta, o que não permite qualquer inscrição fora da parte reservada à interação do público. Também ficariam disponíveis ao público algumas canetas com tinta permanente colorida, presas por correntes e trocadas regularmente.
A estratégia utilizada para esta intervenção é o convite para o espectador expressar a sua relação com esta obra, nesse espaço público determinado. Mais ainda, oferece a oportunidade de um registro pessoal de fatos ocorridos nesta praça, revelando assim, uma história oculta – que escapa aos registros oficiais –, formada por sentimentos e lembranças evocados pelo local.
No verão, quando a praça reúne mais freqüentadores, uma pomposa cerimônia de inauguração com alguns convidados ilustres e figuras folclóricas da localidade iniciaria o registro com suas lembranças de fatos ocorridos na praça. Isto criaria certo status ou um desejo inicial para lá deixar tais registros e histórias pessoais. Depois, a obra deverá ser abandonada intencionalmente, ficando exposta à ação de todo tipo de intervenção.
A instalação conta ainda com uma câmera filmadora oculta fixada no alto de um dos postes de iluminação, focada apenas na página em branco e acionada por um sensor de movimento escondido, para registrar a ação contínua do público.
No ciclo da freqüência do público da praça, a folha em branco continuaria recebendo intervenções até ter todo seu espaço preenchido. Toda espécie de histórias, de recados ou até mesmo símbolos anárquicos ou desenhos pornográficos ficariam ali registrados, atestando a interação do público com a obra. Um caldeirão comunicativo que revelaria uma amostra da essência das pessoas que ali transitaram.
Nesta folha, o resultado pictórico das diversas camadas de tinta impressas por mãos anônimas, poderia então formar uma obra que evoca a abstração informal. Este conceito se aplica, pois esta intervenção coletiva foge do controle do autor, como no caso das pinturas-revelador de Tabard e dos fotogramas de Man Ray. Outro possível resultado seria a semelhança da imagem com os trabalhos de Jackson Pollock, porém com menos ordenamento estrutural.
Apesar de estático, o livro possui a mesma intenção da escultura de Lygia Clark, que é o convite à interação com o público, tornando participante o observador. Além de observar a progressão dos registros, este espectador continuaria interessado na obra, preocupado com a visibilidade do seu registro, refazendo-o talvez, inúmeras vezes.
A obra, depois de retirada da praça, passaria a ser exposta numa galeria de arte. O livro ficaria então numa parede perpendicular a outra aonde projetaríamos o vídeo resultante da experiência. Este é o momento em que as pessoas perceberiam que atuaram intensamente na produção da obra. Aproximando-se do conceito de espectador-artista proposto por Joseph Kosuth em sua instalação das três cadeiras. A obra também pode ser comparada ao movimento da vídeo-arte, em virtude do registro da folha sendo preenchida.
Em pesquisa pela internet encontramos uma instalação similar na cidade de Chelyabinsk, na Rússia. As autoridades locais encomendaram um livro gigante para familiarizar seu povo e os turistas sobre os cidadãos que lutaram na Segunda Guerra Mundial. “O Livro dos Heróis” mede seis por três metros e pesa cerca de 600 quilos. Ele foi colocado em praça pública e traz imagens de soldados e histórias curiosas sobre a guerra.
Outro livro gigante foi encontrado em São Paulo e tinha a função de coletar assinaturas da população em prol da instituição do Dia da Leitura. Foi realizada por uma instituição que oferece literatura para crianças na pré-infância e tem como objetivo criar e renovar bibliotecas públicas e comunitárias.
Na Hungria também achamos um livro gigante na cidade de Szinpetri. Seu autor, Bela Varga, ganhou registro no Guiness por fazer o maior livro do mundo, que possui 346 páginas e pesa o total de 1.420 quilos.

1 comentário:

artestraçodamatéria disse...

Olá Danton,

Interessante a sua idéia.Estou realizando esse mesmo curso de especialização e o seu texto ajudou-me a pensar.Gostaria de elaborar um trabalho mais dirigido ao uso de drogas.

abraço
Wanda Pinheiro